Quem inventou que quem é gordo tem que se esconder?

Não foi fácil eu me aceitar como gordinha. Passei anos correndo atrás do peso considerado ideal e o processo de aceitação foi doloroso. Eu achava que ninguém iria gostar de mim se eu não fosse “gostosa”.

Mas entender que alguém de grandes curvas pode ser feliz parece ser ainda mais difícil para quem vê de fora. Até a minha mãe já demonstrou desconfiança quanto à minha auto-aceitação. Também ouvi de um amigo: “Você não quer mesmo emagrecer, Cacá?” Se mesmo minha mãe e meu amigo questionaram minha decisão, quem não tem intimidade para me questionar julga minha atitude de acordo com o seu “achismo”. Há quem me olhe com dó, indiferença ou desdém por conta dos meus quilos a mais.

Estou no lugar errado?
Quem usa manequim 44 ou maior, e tem o costume de procurar peças em lojas de tamanhos “comuns”, provavelmente já ouviu um comentário indesejado. “Pra você? (risos) Não tem”. Eu sei que já ouvi isso várias vezes de vendedoras engraçadinhas. Tem também a que procura ser cuidadosa e fala pausadamente, como se fosse anunciar um falecimento: “48? Infelizmente, a gente não trabalha com este manequim… Desculpe”.

Motivo de chacota
Quando eu tinha 18 anos, fui amiga de uma garota de 21 que pesava 140 kg. Quando entramos no ônibus, rumo à minha casa, passei na catraca e ela não me seguiu, porque era grande demais. Ela falou com naturalidade que ficaria na parte da frente do ônibus e continuamos a tagarelar até o destino, quando ela desceu por onde entrou. Para ela, a cena foi corriqueira. Para mim, foi diferente conversar com alguém de longe. Para o cobrador e os demais que utilizavam o transporte, foi engraçado ver que o corpo da garota a impedia de usar o ônibus como eles. Neste caso, ela foi tratada como outras pessoas com dificuldades, grávidas, gente carregando muitas sacolas: pagou a passagem e o cobrador girou a catraca com a mão.

Não há dúvidas de que eu sou diferente dos padrões e estou completamente feliz (Foto: Marjorie Yamaguti)

Eu me senti pequenininha…
Cansei de me jogar na pista da balada e cansei de tolerar patricinha se achando pra cima de mim, motivo pelo qual voltei chorando para casa uma vez ou outra. Quem nunca saiu à noite, comprou uma bebidinha, chacoalhou o corpo em companhia de amigos e colocou toda a energia para gastar? Pois bem… Quando você está com roupas adequadas, você levanta os braços e dança. Mas, e quando a blusa está apertada? Aí você dá um passo para lá e outro para cá, enquanto alguns comentam e outros passam por você como se você fosse um enfeite barato, esbarrando, se achando superior. Eu tentava me divertir, mas sangrava por dentro.

Agressividade, ironia, indiferença
Estas foram apenas algumas das situações em que eu sofri, e imagino que todos os gordinhos sofrem, com a agressividade, a ironia e a indiferença dos outros, podendo chegar até à crueldade e à ridicularização. A sociedade ditou a regra de que todo cadeirante deve ser triste, todo negro deve ser pobre e todo gordo deve se esconder. Dar as caras em uma situação que contraria a sociedade parece ser ousado demais. Muitas vezes, sinto-me pressionada a abaixar a cabeça e sentir vergonha, mas teimo e me esforço para conquistar o meu espaço e mostrar que no fundo todos somos iguais.

Uso saia, vestido, tomara-que-caia e salto alto. Faço maquiagem, paquero, danço e levo meu filho pra tomar sorvete. E o que eu faço quando alguém me olha de lado e ri? Eu sinto muito, muito mesmo (ironia).

Por hoje é só… Bom fim de semana e na terça-feira, dia 4, tem mais.